sábado, fevereiro 23, 2008

Natureza Selvagem (Sean Penn, 2007)

Fui com a maior boa vontade do mundo ver o filme novo do Sean Penn, Natureza Selvagem (Into the Wild). Gosto dele como ator. Sem acompanhar muito de perto, simpatizo com o figura. Não vi nenhum dos outros dois filmes que ele dirigiu. Mas nunca ouvi alguém falar mal.

Baixei a trilha sonora composta pelo Eddie Vedder e me empolguei. É linda, recomendo. Rise, Hard Sun são as maiores novas canções que ouvi este ano. E o filme começa bem, com as palavras escritas pelo protagonista sobre a imagem, lembrando “Nome Próprio”. Mas o que parecia um recurso interessante em relação ao registro do filme e às anotações do personagem, se revela uma ferramenta de pura “introdução” a história do filme.

E grande parte das coisas acaba funcionando assim dali em diante. O que seria a jornada de um jovem em direção ao desconhecido se torna a fuga de um rapaz totalmente exemplar dos seus pais-american-way-of-life-neuróticos. Penn não deixa a gente nem a gente experimentar aqueles vazios nem deixa o personagem ser outra coisa do que ele parece. O McCAndless-Supertarmp de Penn é desinteressante. E ficar duas horas e meia acompanhando suas desventuras motivadas por seus traumas familiares cansa rapidinho.

A crítica à vida em sociedade proposta por Penn vai por água abaixo na medida em que ele nunca esquece dela, tudo se baseia e se justifica nela, ele não se livra das categorias, dos esquemas pré-determinados da famigerada “society”. A narração onipresente da irmã e os flashbacks da família tornam um filme que tematiza a liberdade um tanto esquemático.

Me fez pensar nos cinema brasileiro. Acho que este filme sofre de problemas parecidos. Mas não sei se é exatamente falta de coragem ou de clareza. Penn não deixa nada desamarrado. Os “clips” do rapaz se divertindo na natureza são a coisa menos pior do filme, ali procura-se uma sensação, a gente chega até aquele personagem por outro lugar, diferente da opressão-dominadora-da-sociedade-competitiva-capitalista. E o filme começa prometendo muito, tem diálogos muito bem filmados, fragmentando os corpos, não dando o todo, me instigou nos primeiros minutos – mas durou pouco. Desculpem o veneno, mas este filme faria o maior sucesso com a galera “E-Brigade”

Além do Vedder – que fica melhor se a gente não tenta entender todas as letras das canções – fica anotado o nome do fotógrafo Eric Gautier no meu caderninho. Ele fez o que pode pra deixar o filme lindo e interessante.


Adendo: curiosamente as críticas americanas que li foram super elogiosas ao filme. E as européias não. Acho que isso diz um pouco sobre as intenções políticas do filme e de uma parte da crítica americana. Não sei exatamente o quê.

terça-feira, fevereiro 19, 2008

De uma carta

Eu já escrevi esse post algumas vezes. Escrevi sobre Tiradentes, escrevi sobre as peças que vi semana passada, sobre o filme dos Coen, sobre "Sábado à Noite". Entretanto, ontem estourou uma bomba um pouco antes d'eu ir dormir. Peguei no banheiro da minha mãe um livro chamado Encontro Marcado, de Fernando Sabino - de quem eu nunca li nada mas tenho extrema simpatia, indireta, por conta da relação dele com a Clarice Lispector, e em proporção muito menor, por eu achar que ele era também capixaba como eu, o que não é verdade. Abri o livro e me deparei com o seguinte texto que quero deixar pra abrir o ano neste blog, com desejos de que seja um ano fértil neste cantinho virtual. Foi um baque ontem pra mim me deparar com este trecho. Aí vai o epígrafe de Encontro Marcado (1956):

"
O homem, quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências. Ele pretende, nessa época, conformar a realidade com suas mãos, servindo-se dela, pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar a si próprio. Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo em sua liberrérima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade. O começo da sabedoria consiste em perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma. Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho do homem que merece seu nome"

(De uma carta de Hélio Pellegrino)