sábado, outubro 20, 2007

Primeiras notas sobre o Festival do Rio

Vi poucos filmes no Festival do Rio. Mas lamentar mesmo, só lamento o Tsai e o "I´m not there", e a falta de surpresas. Vou despejar algumas impressões, pra relaxar destes dias em que tenho escrito coisas não tão agradáveis para fins escusos.

Faço agora o que não faço em geral em outras partes da minha vida: começo pelo melhor: "Síndromes e um Século". Primeiro, como um filme pode se chamar assim? Como pode ser a experiência modificadora e inesgotável que ele é.

Pra quê servem os filmes? Vendo Ozu, tenho a mesma sensação que tive com esse Apichatpong. Não penso no cinema. Estes filmes me jogam violentamente pra vida, aponta pra ela, a ressignificam. O cinema é pequeno porque a viver é grande. O cinema é grande porque a vida é pequena. O cinema como duplo, como reitereção, como o mesmo, repetido porém modificado, como segunda presença, como dois pontos paralelos em uma espiral, nos círculos claro e escuro de um eclipse. O número é sempre dois, o Apicha faz os pares dançarem na cabeça da gente, não deixando parar nada quieto, nenhuma conclusão, tese, ou diretriz. Deixa uma crença na vida, no desconcerto natural das coisas, no ritmo oculto do mundo que se apresenta num sorriso. Definitivamente Síndromes não me leva pro cinema, mas definitivamente, saio da sala uma pessoa muito melhor - apesar de não saber como, sinto.

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O filme da Kawase demorei pra digerir. Porque é um filme sem curva, seu extra-campo é muito pesado, carrega todo o sofrimento do mundo. É um filme fora-do-mundo. Sobre a presença da morte no mundo dos vivos. É uma dança da morte, a procura dela no mundo dos vivos. a dimensão do filme parece a interseção entre os dois mundos. Aí ele faz mais sentidos. Mas ele precisa dessa pressão do "fora"pra se intensificar, pra acontecer. Bom filme.

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Paranoid Park é meu vice. Filme de skate. É muito gostoso assistir certas imagens do Van Sant/Doyle. Paranoid torna isso divertido. Parece um filme mais maduro, menos encantado com o dispositivo - acho que foi o Fábio que notou isso. Divertir-se é um sinal de maturidade, um passo importante na política do Gus. O Fellini em si é que eu não encaixei ainda, mas vou ver de novo, nem que seja no emule. Grande filme. De longe o que ele conseguiu dar a melhor presença a esse "ser jovem" (até que o duplo sentido por acaso ficou bom).

quinta-feira, setembro 06, 2007

Olhar pra fora





Eu fiz três habilitações dentro do curso de Comunicação Social. Na ordem: Publicidade e Propaganda, Jornalismo e Cinema. Desde que entrei, ouvia-se falar que ia ter curso de cinema. Isso foi em 2000. Entrei pelo Enem. Não fiz vestibular.

Escolhi PeP por que achava que tinha facilidade com as palavras e que podia ganhar grana com criatividade. Um pouco desiludido com meus colegas e pensando em ampliar meus horizontes e possibilidades pós-Puc, fui fazendo, como eletivas, as matérias de Jornalismo. Cumpri os créditos do jornalismo em um ano. Os dois cursos me ensinaram. Os anos de faculdade, não exatamente as aulas específicas com essas ênfases, me ensinaram.

Pra você se formar tens que fazer um negócio chamado Projeto Experimental. Fiz três. Na PeP , fiz um documentário: Largo da Memória. No de jornalismo, fiz outro: Maneco. Em 2005, comecei a habilitação de cinema lá. Primeira turma. A gente fazia aula de direção com o Eduardo Escorel. Numa aula, o Chico Vereza sugeriu que fizéssemos um exercício prático baseado no filme que tínhamos acabado de ver em em aula, "As 5 obstruções". O filme traz 4 versões de um curta, feitas pelo mesmo diretor do curta original ("The perfect human" do Jorgen Leth"), seguindo restrições dadas por seu admirador Lars von Trier - que dirige o curta final.

Faltava então, a idéia do curta original. Me candidatei na aula seguinte. Tinha um texto que escrevi meio que sem propósito, sobre um rapaz à espera de um telefonema dentro de um quarto, que achei que dava pé. Ninguém apareceu com algo melhor e que fosse tão simples de fazer: um ator e uma locação.

Fizemos, durante um sábado, acho que começamos a gravar umas 9, 10 da manhã e acabamos tipo 14h, acho. Gastamos uma fita miniDV, uma hora de bruto - na verdade, gravei mais uns minutos, num outro dia, só de som, com as falas do Thiago (meu amigo e estreante nas telas, se não me engano). Lembro que cheguei de manhã, no apê, em Sta. Teresa, sábado de sol, caminhando sozinho até lá. Não saltei perto. Caminhei mais de 10 minutos, sob o silênci das 7 da manhã. É umas das melhores lembranças que tenho, esse pré-gravação. Era a primeira vez que exercitaria ficção em filme. Estava ansioso. Tinha desenhado planos no papel, feito uma decupagem, que a Anita, que foi uma assistente nota 10, ajeitou e tirou os 200 planos iguais que eu tinha posto na lista.

Fiquei lá no quarto alguns bons minutos. A casa, vazia. O povo começou a chegar, e fizemos. Dirigimos eu e o Chico Vereza, autor da iniciativa. Acho que foi bacana. Fiquei satisfeito. Editamos em dois dias, duas noites curtas. Não gosto de alguns momentos da edição. Mas gosto de alguns quadros, e de algumas partes, de alguns ritmos. Também de algumas idéias do roteiro, de como o ciclo se desenha, com a água, de como tematiza o dentro e o fora, o contato, da obviedade do quadro com o espelho, da textura do taco - o Brunele é o grande responsável pelo visual do filme. Mas o que gosto mais é que esteja feito. Fazer coisa é ir pra fora, as coisas não vivem dentro da gente. Realizar é criar um terceiro. É por isso que escrevo aqui.

Apresentar pra turma foi ótimo - lá fiquei realmente ansioso. As pessoas fizeram as versões depois, pena que a gente nunca juntou. Eu e o Chico fomos atores em uma delas, dirigida pelo Fábio e pelo Mikair. A experiência de fazer o filme foi muito legal, o ambiente foi bacana. Lembro de conversar com o Thiago, com o Brunele. Foi muito gostoso. É bom atualizar estas memórias.

Vai ser legal ficar velho e assitir este negócio. Por causa dele, fiz minha primeira ida a um festival concorrendo com filme, em Arraial d'Ajuda. Fazer é muito importante mesmo. Com rigor, de preferência - e o Janela certamente não é um exemplo disso.


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Possuídos é mesmo um ótimo filme, Fabão. Tá na metade de cima da lista.

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Momento da semana: Kid Morengueira na bicicleta ergométrica

sábado, agosto 25, 2007

ben simples



Acho que tinha uns 16 anos. Já não ouvia mais meus seminais Guns ou Faith no More. Do grunge só sobrou Pearl Jam no coração. Biohazard e Body Count (e Judgement Night) levaram a Beastie Boys, que por sua vez, já tinham abrido minha cabeça em direção ao tamanho que o mundo podia ter. Lá em casa sempre rolou Caetano, Gil e afins. Desde que me entendo por gente. Mas até então nunca tinha entrado de cabeça nessa. (Apesar do Jokerman do Caetano no Circuladô e apesar desse show, que foi a primeira vez que fui no Canecão e vi um show e senti que aquilo era pra mim).

Minha mãe trouxe pra mim um cd. Ela veio de São Paulo. Cd com capa de cd velho - isso já naquela época. Meio feio, meio mal cuidado, com um malandro de boina, ajeitando ela, se achando. Vinil copiado pra cd, som chapado, sem nenhum cuidado mesmo. Chamava "O Bidu - Silêncio no Brooklyn". Aquilo mudou a minha vida.

É o quinto disco do Jorge Ben. Saí catando as coisas antigas dele - por acaso, naquele momento saiam na coleção Samba&Soul, o três primeiros dele - e o negócio não parou até hoje. Pra mim é o maior artista brasileiro. Acho que ele realizou sem aparentar esforço tudo o que os modernos queriam. E a fusão do Ben não parece mistura, tudo parece que nasceu daquele jeito.

De alguma forma, é o sucessor da linha suprema do música popular daqui, depois do Dorival e do João, a tocha volta pro Rio. Colhendo as conquistas desses anteriores mas sem reverência.

Depois de três discos de samba jazz (Samba Esquema Novo, Ben é Samba Bom, Sacudindo Ben Samba) com o genial Meirelles e os Copa 5, Jorge grava Big Ben em 65. Um disco mais solto porém ainda bastante ligado aos arranjos e sonoridades dos outros três, porém algo destoa completamente: O Homem que Matou o Homem que Matou o Homem Mau. Um rock a la anos 50, em resposta ao Homem Mau do Rei Roberto. O canal do rock só ia alargar nos próximos anos na obra do copacabanense. Mas talvez essa faixa do Big Ben seja o único rock "puro" - apesar da levada sincopada da batera - da fase pré-Benjor.

E aí, ele se muda pra São Paulo, um pouco sem lugar por aqui, sem reconhecimento, muito por causa da sua principal riqueza: não se sabe em que caixa botar esse negócio negócio. Samba não era, Jovem Guarda também não, Bossa Nova muito menos. E do encontro de um dos mais representativos cariocas de todos os tempos com São Paulo nasce a pérola que é o centro deste post. (Não por acaso a Tropicália teve de ir a São Paulo pra nascer.)

Acompanhado dos Golden Boys, com sua instrumentação rock, o homem pega a guitarra
e ali toma forma sua música. Falar que é samba-rock é muito redutor. São canções festeiras, brejeiras, carnavalescas, canções de amor, simples, que não distinguem os lá-lás dos proparoxítonos. Depois de passar três discos fazendo um pouco de esforço pra falar "voxê" - Xuxa nunca inventa nada - O Ben não deixa mais nada parecer artificial, a sua arte encontra seu lugar e sua forma. Simplicidade inimitável, o hits-chiclete que todo mundo sabe cantar pelo menos .... por baixo, cinco.

O digestão do rock em sua obra me parece que atinge seu ponto máximo no África Brasil de 76. Mas o Bidu tem um charme especial. É o turning point que vai dar dois anos depois em País Tropical e no desfile de hinos que ele passa a compor nesses 10 anos que se seguem. Jorge 63-76 não compete com nada mais na música brasileira, nenhuma obra produziu algo tão definitivo e atemporal. Inesgotável.

Esse é um post-homenagem, feito com sono e depois de duas tentativas frustradas - sempre que venta falta energia por aqui. Não agüentava mais a escrever posts mentais. Agora foi. O desejo é a assiduidade. Vamos ver.

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Eu ainda não vi" O Mundo", mas o "Still Life" me deu uma aula sobre realismo e sobre história que tô bobo até agora. Logo, também, de política. Viva o cinema.

Acho que 2007 já tá bem barbada. Apesar de parecer um ano de bons filmes não vejo nada na frente. Mas vou conferir, de coração aberto. Até agora: Maria, Coeurs, Santiago, Maria Antonieta, Conquista da Honra, Iwo Jima, Zodíaco e alguns outros que agora não lembro. Ou não.

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momento da semana: ouvindo "she´s leaving home" esperando o 157 cheio numa tarde ensolarada primaveril.

segunda-feira, junho 18, 2007

Superficial



No ETV me deparei com um doc belíssimo chamado Tarachime. A Anita Rocha tinha me dado o toque que era imperdível e tal, e então dei uma semi-conectada ao que algumas pessoas já tinham me falado de um tal de Shara. O filme é lindíssimo, de uma força espantosa, de uma coragem e precisão muita profundas - como escrevi no texto pro DocBlog que está aqui num post mais antigo.

Tenho baixado muitas coisas. E ficado um pouco culpado por não assistí-las. Sábado decidi tirar um pouco o atraso. Assisti o Embracing, o primeiro filme da miss Kawase, e Suzaku, primeiro longa de ficção, ganhador da Câmera do Ouro em Cannes 97. Meu deus. A mulherada tá demais mesmo. Kawase parece que já nasceu sabendo. Embracing já tem um raciocínio fantástico sobre imagem, perda e experiência. Muitíssimo Mekas, talvez a coisa mais parecida com o lituano que eu já vi, porém aqui o trauma é outro, e há a busca, uma meta. Ela corre atrás da lacuna de maneira direta. O verbo é ruim, mas de alguma forma ela quer resolver: quer encontrar seu pai verdadeiro. É um filme que necessita revisão urgente. O final é de tirar o fôlego. O jogo do nome é interessantíssimo porque "abraçar" é tudo o que os japoneses não fazem, o abraço está no extra-campo da vida deles. A cena da despedida no Suzaku tem um peso profundo, uma atmosfera crítica e densa muito por causa do abraço que não se dá. A questão da contenção me pega de jeito mesmo.

Suzaku é um filme maduro. Com uma certeza de vida e de cinema muito profunda e delicada, uma espécie de grossa raiz aérea. Junta muita coisa boa, me lembra coisas que gosto muitísisimo: Kitano pela música, por alguns tempos e ternuras, especialmente aquele road movie feliz de que gosto mas esqueci o nome agora, Hou Hsiao-Hsien pelo quadros, pela fluência e simultaneidade, Jia Zhang-Ke por motvos parecidos, pelas panorâmicas e outros que agora não me lembro.

Mas o que mais me chama atenção e arrisco a identificar uma característica "japonesa" nos cineastas nipônicos que tenho tido mais contato, principalmente Suzuki, a questão do espaço, do fora. Cinema e arquitetura mesmo. Isso é um assunto pra muitos posts, e acho que o Rossellini me parece muito importante nisso: o cinema não tem necessidade da interioridade, da personalidade do que se chama de "dentro", a identidade, que se supõe "dentro" não é um valor tão grande assim, e me ela parece uma falsa questão. O fora é profundamente potente, e é o domínio do cinema por excelência. Olhar é conhecer. E, se sentir falta do conceito, o fora tem interioridade também, tem espessura. O fora tem fora também , o extra-campo. Um brinde à exterioridade, à força da superfície. Obrigado, Naomi.

sábado, junho 02, 2007

Íris aberta




Olá.

Não tenho conseguido postar coisas aqui com assiduidade. Nâo tenho conseguido me organizar para tal, mesmo tendo assumido pra mim mesmo este espaço como como lugar pra textos que nascem muito na hora, no ato, que se formam a partir do vai saindo. Mas fico um pouco decepcionado por isto. Tenho pensado muito em escrever sobre música. Estou me devendo isto.

Mas agora me deparei com um negócio que pra mim é super interessante, e um pouco constrangedor. No meu computador existem algumas anotações que faço, um pouco aleatórios sobre coisas que tenho vontade de fazer, principalmente me filme. Tenho pensado muitas coisas na rua prum próximo filme com atores, roteiro, e aquilo tudo - torço para que "aquilo tudo" seja constituído por cada vez menos pessoas. Pensei há 10 minutos: vou aproveitar que estou aqui um pouco de bobeira e escrever as pequenas idéias que tenho tido sobre este próxio filme. Abri um arquivo chamado "anotações sobre próximo filme" ("sobre " me parece uma palavra essencial aí). Foi muito interessante ler. Não compreendo bem algumas coisas. Talvez seja legal para outros também. Aí vai:

  • "história com personagens mulheres
  • a passagem do atravessar a rua, o olhar e a morte
  • a questão do toque, da vontade de tocar, da dificuldade de tocar, do mundo que existe e pesa na ponta dos dedos na hora do toque
  • a memória coletiva, impessoal
  • o espaço
  • os espaços
  • mostrar o essencial, mas não o mais importante
  • o que é o mais importante?
  • não mostrá-lo, sugerí-lo
  • ele cabe na imagem?
  • filme é importante?
  • a importância dos instrumentos, dos meios
  • filme e transportes (iguais? equivalentes?)
  • o confessional (figures)
  • a presença, qual a importância dela ou da falta dela (cinema) (será?)
  • o espaço vazio
  • o espaço onde deveria estar algo
  • o vazio-lacuna, o vazio-ausência
  • os objetos lisos, os metais, os vidros, as trasparências
  • os caminhos e as vias (liang)
  • os meios de interação
  • a percepção dos fragmentos
  • “o que eu deveria”
  • a 1a pessoa
  • o que não fiz
  • Nâo Fiz
  • e o que a memória diz sobre isso, sobre o que não fiz? sobre o que já está perdido
  • voz que fala é a de quem fez esse filme. como se a memória fosse um filme, uma organização de fragmentos que tem uma relação íntima entre si e com essa pessoa que fala
  • o cheiro, o nariz cheirando
  • imagens-sentido
  • imagens-experiência
  • fragmentação tornando o lugar comum abstrato
  • passeio no bosque
  • banho de rio
  • cheiro de chuva
  • o vento
  • o vento"
Ai, que vergonha. Mas, sei lá, de repente sirva pra alguém, até como comédia. A questão do "sobre" é um pouco como as coisas servem como ferramentas pra se dizer o que se quer. Talvez a velha discussão "forma e conteúdo". Talvez. Porque isso que escrevi aí em cima é sobre, em cima de nada. Não há roteiro, ou a mínima ação esboçada. Muitas das coisas aí já estão descartadas pra um filme que tenho imaginado mais ultimamente. Mas acho curioso enquanto começo, centelha. Tenho muito interesse em saber como é esse processo pras outras pessoas. Até pra essa pessoa que escreveu essas anotações há uns meses atrás.

terça-feira, abril 24, 2007

O corpo no poder

Em 2005, procurando um filme pra ver com uma amiga que não encontrava há muito, escolhi um tal de "Desejo e Obsessão", que devia ter três ou duas estrelas e uma sinopse tão genérica quanto o título. Imagino que o que pode ter me levado àquela seja o fato de que tinha assistido o "Buffalo 66" e principalmente, o"Brown Bunny" - este numa controversa sessão no Festival do Rio.

Entrei na sala 1 do Estação Botafogo e não lembro mais de nada além do filme. Não havia nada a dizer, nem dentro nem, fora do filme. Aquilo era diferente de tudo o que eu havia visto em cinema até então. Descrever essa experiência era muito próximo de descrever um sonho, quanto mais falamos mais nos damos conta do quanto o quê estamos falando não dá conta. Me envolvi com aquilo e não sabia por quê. O filme continuou em mim. Caminhando pra fora da sala, eu levei aquele negócio no estômago por alguns dias. Não era desagradável, era quase prazeroso, havia algo que esticava meu estômago, algo não identificado, mas que muito concretamente estava lá.

Hoje revi o filme. E tudo continua. Depois de ter visto os ótimos Chocolate e Em Direção À Mathilde, e as obras-primas Bom Trabalho e Sexta-feira à Noite(que intuo como sendo um dos meu top 5 geral), Trouble Everyday pulsa ainda com toda sua força aqui dentro. Claire Denis nos modula por uma hora e meia através daqueles bichos que somos naqueles espaços que habitamos. Tudo assusta e seduz. Estranho e familiar. Ser canibal é uma questão de modulação, de grau, é aumentar um pouquinho as corriqueiras mordidas carinhosas, é dar vazão àquela "vontade de apertar" que sentimos ao tocar ou ver bebês e filhotes e outros. Somos bichos: é preciso reiterar isso sempre, porque a vaidade do polegar opositor nos afasta dessa nobre condição.

Claire Denis faz cinema de estômago. Faz dança contemporânea - quem dança é a câmera. Citando o texto do Gardnier: faz cinema com a câmera. O resto é resto. O drama é a proximidade dos corpos, o contato, e mais do que tudo, o drama é nosso. Trata-se de um cinema profundamente consciente do espectador - como atesta o último plano do filme (Psicose fez muito bem ao cinema, é impressionante. O uso de Hitchcock como referência aqui é bastante sintomático. Ele botou o espectador no filme).

Há em Denis uma ética com os personagens, um respeito com seus personagens, com suas complexidades, com suas inexplicabilidades, e também com o espectador muitíssimo raros na história do cinema. Apesar disso, não se pode dizer que são filmes vazios - apesar de esse ser um dos principais riscos que esse cinema corre. São cheios. Preenchidos, por nós. Não se trata do arquétipo do artista moderno umbigo-hermético, trata-se de um cinema-arquitetura, que tece arcos, portais, janelas e relvas para que passemos. Não há nada por trás daquelas. O que existe somos nós, na frente delas, e é isso que faz o cinema cinema.

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No mês que vem o CinePuc comemorará seu terceiro aniversário exibindo 4 filmes dela. Desejo e Obsessão certamente será um deles. Vai ser um prazer.

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Ouvi dizer que o documentário está vivendo uma moda da "aparência de videoarte"(termo meu, mas o sentido é esse mesmo). Estou preocupado.

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Som do dia:

barbada: Tindertsticks, autores do título e da trilha sonora do filme tema do primeiro post. Especialmente as três notas do tema principal do filme. Arrepia. Baixe e confira: Trouble Everyday

quarta-feira, abril 11, 2007

all I really wanna do

estou um pouco sem tempo pro meu recém-blog querido, mas venho por meio desta declara uma carta de intenções. sempre gostei de índices. e durante vários momentos do dia penso em coisas que seria bacana escrever por aqui. então aqui vai: lista de coisas que pretendo e gostaria de escrever por aqui:

teletransporte
anjo exterminado
bahamas, dylan e pennebaker
cartas não escritas e o correio
sobre os links que botei na página. por quê pus

tem mais um monte de coisa que agora não lembrei. vou dormir agora, e na yoga amanhã tudo volta pro lugar.

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estou muito impressionado pelo Alemanha Ano Zero. não lembro agora de um final de filme tão bom. parece que ele concentrou tudo nos 2 primeiros terços pra fazer um final cinema-cinema. meu deus.

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que feliz que o Santiago vai entrar em circuito. ver no IMS vai ser a melhor video-instalação do ano.

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Fitzgerald, quando parou de escrever, passou a escrever só listas. eu gosto cada vez mais delas. cada vez faço mais.

é abril, tenho que comprar uma agenda.


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amanhã pretendo fazer as pazes com a sala de cinema.

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terça intensa: fiquei muito impressionado com o texto do Blanchot sobre a solidão. merece ser lido com muita atenção.

uma das coisas mais lindas, que mais me comovem, e que me estimulam no mundo das idéias é encontrar gente que trata de intuições, de sensações que a gente têm, e fala disso de modo que alimente nossa experiência de si - e de tudo mais. não estamos só sós.

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frase do dia:

(de manhã, de baixo do viaduto do Rebouças na jardim botânico - que acho muito bonito, especialmente à noite)

"all I really wanna do
is , baby, be friends with you"

segunda-feira, abril 02, 2007

É tudo mentira

opa.

estou animado com esse negócio aqui, tenho pensado nisso. sobre o quê é isso? qual é o específico do blog... vou sair fazendo e depois descubro.

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outro dia, lendo o imagem-tempo do Deleuze, me deparei com uma passagem que achei muito bonita, e que me falou precisamente de algo que não tinha sistematizado e que acho que tentei, sem saber, fazer no "...":

"mas às vezes, ao contrário é preciso fazer buracos, introduzir o vazios e espaços em branco, rarefazer a imagem, suprimir dela muitas coisas que forma acrescentadas para nos fazer crer que víamos tudo. É preciso dividir ou esvaziar para encontrar** o inteiro." (pg. 32 da edição mais nova, da Brasiliense")

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hoje me dei conta de que algumas pessoas das quais avisei que escrevi textos no DOcBLog, podem não ter lido os textos por conta de ter que se cadastrar no Globonline. Entendo. Demorei muito pra me registrar também. É um saquinho mesmo.

Como ainda não sei como obrigar cadastro aqui, vou colocar os textos que mais gostei para que quem quiser possa ler sob anonimato. Um dos textos que vou colocar eu não gostei muito, mas coloco por pedido de amigos.

Aí vai:

A flor da pele

Tarachime(Naomi Kawase, Japão, 43', cor, Beta digital, 2006)

Naomi Kawase é uma premiadíssima diretora japonesa cujos trabalhos dificilmente chegam por aqui. Bola dentro do ETV que trouxe seu filme mais recente, Tarachime, para a mostra Horizonte. Kawase já filmou a sua busca pelo pai que a abandonou na juventude, um perfil da sua vó Uno, e sua correspondência com o cineasta Hirokazu Kore-Eda. Kawase agora nos presenteia com esse pérola documental, onde ela narra o nascimento de seu bebê, a morte de sua vó, e seu olhar de filha e mãe sobre todas essas intensas experiências – e sua relação com a natureza e com o orgânico.

O foco de análise é o corpo: que envelhece, que gera, que definha, que floresce, que enruga, que morre, que acaricia, que nasce, que se acalma e que se explode. A câmera parece ser ligada umbilicalmente a Kawase, tudo é registrado, e assim tudo ganha vida, a partir de seu ponto de vista – até seu próprio corpo. Naomi filma o ciclo da vida a partir do corpo, da pele, de si própria, de sua vó-mãe e de sua filha. É da profundidade da pele em película, que Naomi extrai seu olhar sobre os caminhos do tempo em nós.

Ultra-sons, ultra closes das peles, digital, super 8, várias texturas que algumas vezes beiram o abstrato, nos dão conta da íntima relação entre dar a luz, nascer e morrer. Numa perpsectiva que remete ao mestre japonês Yasujiro Ozu, Kawase amarra esses temas com muita delicadeza e precisão. Tarachime é um filme no limite. À todo momento, o doc fica a beira do mau gosto, do exposto demais, do meloso demais, do “experimental” demais, porém atravessa com altivez essas corda bamba. Esse retrato íntimo da experiência de viver através do corpo feminino comporta, na mesa proporção, violência e ternura, beleza e asco, exposição e ocultamento.

Delicado, visceral e arriscado, Tarachime é pequeno grande filme que preenche a gente tanto de morte quanto de vida – numa linda homenagem à arte morta-viva por excelência, o cinema. E assim, a vida continua.


Lírico passeio pela tristeza

Alguma Tristeza (Alguna Tristeza, Juan Alejandro Ramírez, Peru, 41', 2006)

Alguma Tristeza pode ser chamado de uma “investigação poética” sobre um suposto sentimento de inferioridade sentido pelo povo peruano. Porém o resultado vai muito além. Usando uma estrutura que mistura road movie e autobiografia, onde os comentários narrados em off pelo diretor vão confrontando as diversas imagens – geralmente em movimento – da diversidade da vida peruana nas cidades e no campo, o filme passa longe da tese e explora a melancolia na sua maneira de narrar.

A tristeza que está no título do filme funciona como um véu sobre as imagens que vemos – aparentemente neutras e singelas. Trata-se de uma meditação sobre um certo estado de espírito. Uma investigação pessoal sobre uma ambígua melancolia que parece acometer o povo peruano - país no qual ele se sente também estrangeiro. O personagem do diretor – que nunca vemos mas sempre ouvimos – parece estar fazendo uma viagem de volta ao seu país, uma revisitação daquelas pessoas e de si mesmo. Pode-se notar uma clara influência dos filmes-diário de Jonas Mekas aqui.

O filme caminha lentamente, de personagem em personagem – marcados por algumas cartelas -, onde todos parecem sós e misteriosos sob essa lente que transforma tudo o que vê em memória. Os fatos nunca são concretos, os acontecimentos, incertos, porém o sentimento em questão é experimentado por nós espectadores em sua plenitude.

A derrota bastante questionável da mestiça seleção peruana de futebol nas Olimpíadas de 1936 é a imagem-base usada como ponto-de-partida para explorar essa tristeza. Porém, isso é quase só uma desculpa. Alguma Tristeza, passa longe dos clichês sobre a identidade dos países subdesenvolvidos, e sobre as causas de suas mazelas – e discute essas temas contundentemente - , e acaba por fazer um lírico ensaio sobre o tão universal oposto da felicidade. E para isso, o diretor peruano Juan Alejandro Ramirez esculpe o tempo com muita delicadeza e precisão. Somos embalados por esse constante embate do presente das imagens e por um certo passado que olhar da memória pressupõe, e pelo fluxo das imagens, quase sempre em movimento, como se essas identidades estivessem sempre assim, embaladas pelo vento.



Os eus e os outros

Fotografias (Andrés Di Tella, Argentina, 110', 2007)


O doc íntimo, em primeira pessoa, é uma das formas mais em voga da produção das últimas décadas. O vídeo deu o empurrão definitivo pra proliferação dessa forma. Andrés Di Tella é um dos que a adotam com freqüência em sua obra. Em Fotografias, ele tenta investigar a si mesmo através da busca de suas raízes familiares, principalmente em direção a sua mãe indiana, já falecida. A relação maior aqui, para constituir uma identidade através do cinema, é ligar a seu papel de filho com o seu papel de pai – do carismático Rocco.


Andrés parte para sua aventura a partir de sua própria casa. Busca, acompanhado de seu filho, fotografias de si e da mãe, vestígios dela, como cartas e objetos, num porão escuro. Com ajuda das fotografias, das imagens em vídeo e película feitas por sua mãe sobre a família e sobre sua terra natal, a Índia, ele parte na missão de se compreender melhor através da investigação sobre as lacunas mais obscuras de sua história familiar. Para isso, além do material de arquivo temos um registro do presente através do vídeo, e uma espécie de presente maior – que organiza todo o filme – dada pela narração em off feita pelo próprio diretor.


Na opção pelo filme-ensaio em primeira pessoa, o filme se perde um pouco. Talvez por causa de querer contar muita coisa no mesmo filme: sua história íntima, a história de sua mãe, de seu pai, da família ainda integrada, da família na índia, da cultura hindu, da sua paternidade, da sua relação consigo mesmo, dos indianos na Argentina, do racismo e do escritor Ricardo Guiraldes. A opção por relacionar sempre o geral e o particular termina por enfraquecer os dois. Mas há boas sacadas como quando diz que “isso eu não filmei”, relação endossada pela edição que insere telas pretas entre os blocos. E também no emocinante plano de sua mãe, ao vento de uma carro em movimento – que condensa vários eixos do filme. Nessa imagem, Di Tella perde a chance de terminar com precisão, e se estende por mais uns bons minutos, fazendo uma série de falsos finais nas suas quase duas horas de duração.


A construção de si - e do outro - arquitetada por Di Tella emociona pouco. Enquanto que a relação entre os níveis da narrativa raramente se complexifica. Fotografias nos pega mais por conta do carisma de Rocco e da montagem do material de arquivo - mas de às vezes carregar a mão no melodrama. Apesar da moda, é necessária uma precisão singular para tecer narrativas sobre si – como é o caso de Santiago, Alguma Tristeza e Tarachime, já exibidos no ETV 2007 – e isso faz falta em Fotografias.




sábado, março 31, 2007

véspera

olá.

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essa semana em vez de repetir o velho hábito de abrir o pessoa ao deitar-me, decidi pegar meus bloquinhos de carteira - que comecei a adotar em 2004, presenteado pelo meu irmãozaço Bruno Prada-Brunelle(dois éles, por favor)

ficou estampada a necessidade de escrever, de dar uma certa atualizada em algumas coisas.

vou postar alguns fragmentos dos bloquinhos ecaderninhos por aqui. mas.. um alerta: tentem não escrever de lápis - é triste dizer isso, eu adoro escrever à grafite. assim.. se vocês quiserem dar uma força pra finitude - que não é lá má idéia, mas me falta desprendimento pra isso - caiam dentro. vendo minhas anotações à lápis no caderninho, fiquei alarmado.

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vi um filme que gostei, agorinha no ccbb, Logo Existo. é um tipo de filme que, à princípio, não gostaria mas acho que ele vai bem. na cinequanon tem um texto do qual eu concordo bastante sobre o filme. amanhã deve sair o meu no DocBlog.

***

caralho: Uma Mulher Sob Influência no cinema: filmes sobre os quais é difícil falar alguma coisa: filmes intermináveis: trata-se de um ser vivo: Cassavetes é mestre em fazer isso: mais do que Ozu até, surpreendentemente.

comentei com algumas pessoas que não consigo ter um olhar analítico para com esse filme - como consigo com muita coisa do que vejo. é um filme que pulsa. filme de carne mesmo. quem viver verá.

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frase do dia de hoje - por conta do Qualquer Coisa à tarde na chuveirada:

A tua presença mantém sempre teso o arco da promessa

sábado, março 24, 2007

hoje em dia

estou pensando em ativar este blog. um pouco por conta... de váras coisas. escrever dá uma concretude bacana. cria coisas. coisas é ótimo.

hoje o ETV começou surpreendentemente bonito. o grande santiago ontem - do qual retendo escrever algo por aqui. e o belo Alguma Tristeza hoje no OI futuro.

escrevi um texto que vai sair no docblog amanhã, acho, mas sai aqui em primeira mão. mas ainda não achei um título que me satisfez.

até

quarta-feira, março 21, 2007

paraíso

eva dorme acompanhada