terça-feira, abril 24, 2007

O corpo no poder

Em 2005, procurando um filme pra ver com uma amiga que não encontrava há muito, escolhi um tal de "Desejo e Obsessão", que devia ter três ou duas estrelas e uma sinopse tão genérica quanto o título. Imagino que o que pode ter me levado àquela seja o fato de que tinha assistido o "Buffalo 66" e principalmente, o"Brown Bunny" - este numa controversa sessão no Festival do Rio.

Entrei na sala 1 do Estação Botafogo e não lembro mais de nada além do filme. Não havia nada a dizer, nem dentro nem, fora do filme. Aquilo era diferente de tudo o que eu havia visto em cinema até então. Descrever essa experiência era muito próximo de descrever um sonho, quanto mais falamos mais nos damos conta do quanto o quê estamos falando não dá conta. Me envolvi com aquilo e não sabia por quê. O filme continuou em mim. Caminhando pra fora da sala, eu levei aquele negócio no estômago por alguns dias. Não era desagradável, era quase prazeroso, havia algo que esticava meu estômago, algo não identificado, mas que muito concretamente estava lá.

Hoje revi o filme. E tudo continua. Depois de ter visto os ótimos Chocolate e Em Direção À Mathilde, e as obras-primas Bom Trabalho e Sexta-feira à Noite(que intuo como sendo um dos meu top 5 geral), Trouble Everyday pulsa ainda com toda sua força aqui dentro. Claire Denis nos modula por uma hora e meia através daqueles bichos que somos naqueles espaços que habitamos. Tudo assusta e seduz. Estranho e familiar. Ser canibal é uma questão de modulação, de grau, é aumentar um pouquinho as corriqueiras mordidas carinhosas, é dar vazão àquela "vontade de apertar" que sentimos ao tocar ou ver bebês e filhotes e outros. Somos bichos: é preciso reiterar isso sempre, porque a vaidade do polegar opositor nos afasta dessa nobre condição.

Claire Denis faz cinema de estômago. Faz dança contemporânea - quem dança é a câmera. Citando o texto do Gardnier: faz cinema com a câmera. O resto é resto. O drama é a proximidade dos corpos, o contato, e mais do que tudo, o drama é nosso. Trata-se de um cinema profundamente consciente do espectador - como atesta o último plano do filme (Psicose fez muito bem ao cinema, é impressionante. O uso de Hitchcock como referência aqui é bastante sintomático. Ele botou o espectador no filme).

Há em Denis uma ética com os personagens, um respeito com seus personagens, com suas complexidades, com suas inexplicabilidades, e também com o espectador muitíssimo raros na história do cinema. Apesar disso, não se pode dizer que são filmes vazios - apesar de esse ser um dos principais riscos que esse cinema corre. São cheios. Preenchidos, por nós. Não se trata do arquétipo do artista moderno umbigo-hermético, trata-se de um cinema-arquitetura, que tece arcos, portais, janelas e relvas para que passemos. Não há nada por trás daquelas. O que existe somos nós, na frente delas, e é isso que faz o cinema cinema.

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No mês que vem o CinePuc comemorará seu terceiro aniversário exibindo 4 filmes dela. Desejo e Obsessão certamente será um deles. Vai ser um prazer.

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Ouvi dizer que o documentário está vivendo uma moda da "aparência de videoarte"(termo meu, mas o sentido é esse mesmo). Estou preocupado.

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Som do dia:

barbada: Tindertsticks, autores do título e da trilha sonora do filme tema do primeiro post. Especialmente as três notas do tema principal do filme. Arrepia. Baixe e confira: Trouble Everyday

2 comentários:

Atmosfeerica disse...

Juliano
valeu pelas correções ao nosso blog, vou acertar.

video-instalação no IMS! pode crer.

abraço
mario

Anônimo disse...

fala juliano,
a gente vai passar o nosso filme pruns amigos aqui em casa amanha (quinta) às 20h e gostaríamos que vc viesse. não temos outro jeito de falar com vc já que o leo viajou. abraços.